É só subir ao muro

Vitória, Vitória… começou a estória…
Isto de ser grilo tem que se lhe diga… somos insetos muito limpos, que alguns cobiçam como iguaria alimentar. Nem o cricri, que por vezes irrita as pessoas, nos salva! Temos que estar sempre atentos, não vá o diabo tecê-las…
Estava eu junto à baía do Seixal a admirar a paisagem, quando subi a um muro e lá estava, um bonito jardim, com lagos e fontes e pessoas que passeavam e ouviam uma delas, que contava a história do local.
Coloquei as antenas à escuta e estavam a chamar ao local a Quinta de Vale de Grou…. Chiu!… espera… isso foi antigamente, no século XVI, quando criaram a quinta. Depois, já no século XIX, passou a chamar-se Quinta da Fidalga (mas essa é outra estória para contar depois).
E continuava a contar a história deste jardim, tipicamente português, que se distingue de outros jardins de outras partes do mundo, especialmente por quatro razões. A primeira, é a diversidade da vegetação, porque os portugueses foram trazendo plantas e árvores das suas viagens marítimas e com este clima privilegiado que temos, a maioria aclimatou-se e gosta de cá viver. Sabem que a glicínia, de que eu tanto gosto… que perfume que ela tem quando fica florida na Primavera, veio da China? E a lúcia-lima, que sempre existiu no quintal da minha avó e faz um belo chá, afinal veio do Brasil.
A segunda característica dos nossos jardins é a vista, a paisagem. As nossas quintas com jardins históricos são sempre construídas em locais privilegiados e esta não é exceção. Subindo ao pequeno miradouro, podemos ver a Norte a baía do Seixal, a Ponta do Mato e Almada, com a Ponte 25 de Abril a atravessar o Tejo e a cidade de Lisboa, até onde a vista alcança. A Oeste, a baía do Seixal, a Amora com o seu coreto e o que resta do bairro dos operários alemães… que bonita é esta terra. E mais não conto, subam também ao miradouro e venham ver o que fica a Sul e a Este…
Os azulejos são outra característica bem portuguesa. Desde que os árabes nos ensinaram a fabricá-los, que começámos a criar belos padrões … e que bonitos são os azulejos que decoram os bancos, as casas de fresco e, aqui e ali, os apontamentos que tornam os muros e muretes desta quinta tão especiais.
As fontes de embrechados são também muito bonitas e, apesar de já não deitarem água, as suas paredes estão forradas com imaginativas composições feitas com pequenos seixos, conchas, pedaços de cerâmica vidrada, barro e vidro. Com sereias ou Neptunos a cavalo de crocodilos, despertam a imaginação sobre povos distantes e outras civilizações, que apenas eram conhecidos destes proprietários, escrivãos das Casas das Índias, nobreza que circulava na corte e que participava de diferentes maneiras nas relações entre Portugal e o Oriente.
A quarta característica, que torna esta quinta verdadeiramente especial, em Portugal e também na Europa, é o seu lago. E dizem vocês: – Todas estas quintas com jardins históricos tinham lagos! Alguns até mais bonitos e ornamentados que este!
É que o nosso lago, para além das casas de fresco forradas a azulejo, do nicho central em pedra trabalhada em forma de concha e da vedação metálica com balaústres, é um LAGO DE MARÉ. Estamos mesmo junto a um braço do Tejo muito especial, que forma a baía do Seial, e que sofre a influência das marés, devido à proximidade do estuário do rio. O Oceano Atlântico, aqui tão perto, torna esta água salobra e cheia de vida, é uma bela maternidade para os pequenos peixes que aqui crescem até à altura de procurarem o mar. A água do rio entra no lago quando a maré enche e sai com a com a vazante, trazendo e levando as tainhas e outros peixes do rio, que acompanham este movimento.
Por hoje, a história da Quinta da Fidalga fica por aqui, mas ainda há muito para descobrir…. Eu preciso de cantar um pouco e tentar a minha sorte, porque é o meu cricri que me ajuda a encontrar companhia… e estas viagens são ainda mais bonitas quando estamos em boa companhia
Grilo Falante